terça-feira, 6 de julho de 2010

Entrevista de Jornalista do Diário de Notícias à Prof. Doutora Paula Pinto de Freitas, Directora Técnica da APPDA-Norte (Abril de 2010)

Boa tarde Dra. Paula.

Eu chamo-me Hugo Maduro e sou jornalista do Diário de Notícias. Estou a fazer um trabalho sobre Autismo e gostaria que me respondesse, se lhe for possível, às seguintes perguntas:

- Quantas pessoas existem em Portugal com Autismo (se conseguir dizer-me, em separado, o número de crianças e o número de adultos, agradeço)?

È importante distinguir Autismo(um dos sub-tipos das PEA) e Perturbações do Espectro do Autismo( neste grupo geralmente estão englobados os casos de Autismo, os casos de Perturbação de Asperger e as Perturbações Globais de Desenvolvimento sem outra especificação PGD-SOE, ou Autismo atípico)
Globalmente a prevalência das Perturbações do Espectro do Autsimo (PEA), segundo os resulatdos das investigações epidemiológicas têm disparado a partir da década de 90. Uma meta-análise de Eric Fombonne (2003), envolvendo 32 estudos cientificamente credíveis, revelou que nos estudos realizados entre 1966 e 1991 a prevalência média do Autismo era de 4,4 por 10.000. Nos estudos realizados entre 1992 e 2001 a prevalência média do Autismo era de 12,7 /10.000. Ou seja a prevalência triplicara, e embora não seja absolutamente concensual, isto dever-se-á a maior capacidade de diagnóstico por parte dos profissionais e ao facto de famílias e profissionais poderem estar mais informadas sobre estas perturbações.
Um estudo realizado em Portugal por Guiomar Oliveira (2007), em crianças de idade escolar (6-9anos) apontava para uma Prevalência Global de 9,2/10.000.
Relativamente às PEA, a prevalência é muito maior. Estudos realizados nos anos 2000, 2001 apontavam para prevalências de 60 a 70 por 10.000. Os dados mais recentes apontam para prevalências da ordem de 1 para 150 (ADDMonitoring Network – USA) ou mesmo de 1% em crianças de idade escolar no Reino Unido (British Journal of Psychiatry, 2009).

Cálculos por estimativa:
Relativamente aos 10 milhões da população portuguesa seria de esperar para prevalências de 10/10.000, que 10.000 pessoas sofressem se Autismo,
Sendo a população infantil (até aos 18 anos) cerca de 1/3 da população total, teriamos cerca de 3.000 a 3.500 crianças com autismo.


- Qual é a percentagem de rapazes e de raparigas (os dados que tenho indicam que serão 75% de rapazes e 25% de raparigas - se conseguir confirmar-me estes números, seria importante)?
Em termos gerais dizemos que a relação é de3 a 4 rapazes para uma rapariga. Agora esta relação é diferente conforme existe ou não atraso mental associado. Nas situações sem atraso mental, mais próximas por exemplo, das Perturbações de Asperger, esta relação tem tendência a aumentar para valores do tipo 8-10 rapazes para 1 rapariga. Quando o autismo se associa a atraso mental profundo esta diferença baixa (atè 1 para 1).
Gostaria de lembrar que uma percentagem significativa de casos (75% nos estudos mais antigos e 50-60% nos mais recentes), têm atraso mental associado, ou seja para além de autismo têm também atraso mental. A evolução e o prognóstico, nomeadamente a possibilidade de vir a ter uma vida adulta autónoma e o grau de autonomia na vida adulta é muito influenciado por esta associação.

- Se tem ideia de quantos novos casos existem por ano?
Relativamente ao autismo
Não ha dados oficiais. Agora em Portugal, nos últimos anos, nascem cerca de 100.000 crianças por ano. Se pensarmos com base em dados do National Institute of Health, USA, 1999, que refere que o autismo afecta 1 em cada 500 nascimentos, poderiamos pensar em cerca de 200 novos casos ano. È claro que não entramos em consideração com as limitações que ainda possam existir relativamente à identificação dos novos casos.


Nestas perguntas mais objectivas, se não tiver conhecimento dos números concretos, as respostas podem ser dadas com base em estimativas.


- Como é que vê a evolução dos tratamentos do autismo em Portugal?
Vejo com optimismo mas também com alguma preocupação.
Optimismo porque acho que há cada vez mais pessoas a interessar-se por esta problemática e a tentar aprofundar os seus conhecimentos, tanto da parte dos técnicos da saúde como da educação, como da sociedade em geral. Temos maior facildade em realizar diagnósticos precoces e em sinalizar as situações de risco ( antes dos 3 anos de idade). Melhoramos então na capacidade de diagnostico. Temos mais serviços capazes de realizar intervenção e intervenção especializada, embora no domínio da intervenção existam carências e desigualdade regional na sua distribuição.
Assistimos a mudanças no sector da educação e a um esforço sutentado no sentido de se difinirem as orientações relativas às crianças com Necessidades Educativas Especiais. O Decreto Lei n. 3/2008 foi um avanço significativo, pois explicitamente referiu as necessidades das crianças com PEA, e formalizou a criação de Salas de Ensino Estruturado, que são resposta adequadas em muitas destas situações.
Frequentemente estas crianças necessitam de intervenções pluridisciplinares, mas é importante que o trabalho seja realizado de forma articulada e concertada dentro de um verdadeiro espirito de parceria (entre os diferentes técnicos e entre estes e as famílias). Aqui surgem por vezes dificuldades. Dificuldades porque são pessoas com formações diferentes e que precisam de esforçar-se por desenvolver uma linguagem comum, dificuldades porque pertencem a diferentes instituições (saúde, educação, segurança social) e precisam de articular-se, dificuldades porque é preciso tempo para aprenderem a confiar uns nos outros e também para que cada um se revele digno de confiança .

- Que opinião tem sobre as unidades especializadas (salas estruturadas) de recurso pedagógico, destinadas a facilitar o processo de inclusão das crianças?
Penso que a existência de salas de ensino estruturado como parte integrante da Escola, ou seja integradas na “Escola Regular” correspondem a um avanço significativo. Pretende-se que elas contribuam para facilitar a inclusão das crianças com PEA, essa é a intenção que preside à sua criação, dependerá do empenho de todos (pais de crianças com e sem NEE, professores do ensino regular e do ensino especializado, equipas pluridisciplinares, colaborações inter-institucionais...) a concretização desse objectivo. È no entanto, importante ressalvar que as salas de ensino estruturado, ainda não existem em nº suficiente, e também que nem todas as crianças com PEA necessitam de ser inegradas em salas de ensino estruturado.

- Como é que vê a integração das pessoas com autismo na sociedade? Que papel é que desempenha, ou que poderia desempenhar, a sociedade civil numa melhor interacção com as pessoas com autismo?

Se pensarmos que as pessoas com autismo têm particulares dificuldades na área do desenvolvimento social, podemos imaginar que tal acarretará dificuldades ao aprofundar do conhecimento mútuo e abrirá caminho para mal-entendidos e consequentemente para a regeição e exclusão.
Penso que o esforço de todos no sentido de criarmos uma sociedade mais tolerante e solidária, capaz de respeitar as diferenças, de estimular a inter-ajuda e de fazer sobressair o que de melhor exista em cada um ajudará todos e cada um a encontar o seu lugar nessa mesma sociedade.